História de um médium, sua peregrinação e seu "zelador" espiritual:
Era mais uma tarde comum de churrasco, cerveja, após uma partida de futebol de um grupo de amigos. Eis que o médium sente forte tontura, desmaia, os amigos que socorrem, chegam no posto de atendimento médico com o rapaz inconsciente. Após ser avaliado, o rapaz recebe alta, mas durante o inconsciente vê um homem com trajes de boêmio, com roupas antigas, bem arrumado com uma camisa Preta. O médium acorda, o médico recomenda pouca coisa, ele vai pra casa junto aos amigos, aliviados por saber que não foi nada grave. As semanas se passam e o rapaz todas as noites sonha com o mesmo homem, após esses sonhos incessantes, um amigo lhe recomenda a ir ao terreiro que fica a poucas ruas. Chegando lá, ele é recebido pelo pai de santo, a sala em que foi acomodado tinha ar condicionado, uma mesa de madeira de lei, tudo muito limpo, até com um certo requinte. Ele explica ao zelador sua situação, o qual lhe recomenda um jogo de Búzios, o rapaz meio sem entender, concorda com o jogo, muito curioso para saber do Espírito que sempre aparece. O pai de santo antes de chegar na cadeira para iniciar tropeça nas próprias pernas, sente um arrepio na espinha, pede para o consulente aguardar. Eis que escuta :
"Você está querendo enganar o rapaz, sabe muito bem que sou o Malandro guardião dele, não precisa dessa farsa. Respeite o jogo do Cauri, que quem responde são meus senhores na lei maior, não eu e esclareça tudo."
O pai de santo debocha mentalmente da entidade, diz que vai persistir com seus planos.
O zelador fala diversas palavras yoruba que ouviu outras pessoas falarem, faz muitos gestos e prende a atenção do rapaz, joga os Búzios diversas vezes. Sente a presença dos orixás enfurecidos na sala por serem importunados, mas releva tudo e prossegue.
Aqui o jogo está mostrando que você necessita fazer algumas limpezas, ajudar no terreiro, pois sua missão é nos ajudar a construir. Também tem o nome do seu malandro.
O zelador pausa, tosse um pouco e fala o primeiro nome que lhe vem à mente. O seu malandro é o Zé Pretinho, vou dizer tudo o que você precisa para assentarmos ele.
O pai de santo sente se mal, escuta claramente o malandro do médium dizer, esse não é o meu nome, ninguém tem autorização de revelar o meu nome, só eu mesmo e nas ordens de meu senhor Obaluaie. O zelador apressadamente manda o rapaz pagar o jogo, ele assustado coloca os R$ 180,00 na mesa, também é orientado a voltar na outra sexta feira já pra "assentar" o Malandro, a lista iria ser repassada por telefone.
Chega o dia tão aguardado, apesar de não entender nada de malandros, o rapaz está muito ansioso, disse para Deus e o mundo que tem um Zé Pretinho. O médium leva tudo o que foi pedido, um galo para o Malandro do pai de santo, pacotes de velas, dados, baralhos, punhais, pratos, pedras, dendê, cerveja, mel, quilos de farinha de mandioca, terra de cemitério, ferros com tridentes, frangos vivos e uma quantia boa de dinheiro. O zelador diz que dali em diante, o médium vai precisar manter o "axé" em movimento, trazendo dinheiro para a casa e muitos materiais.
O médium fica um pouco enjoado, mas não pelos sacrifícios, foi criado em fazenda quando era pequeno, porém, durante todo o ritual se sente estranho, como se não estivesse fazendo algo correto. Sente forte intuição para sair dali, mas prossegue com muita teimosia, querendo ver todo aquele rito.
O zelador percebe a estranheza pela face do médium, manda ter fé, acreditar mais, se dedicar. O médium fica muito curioso sobre os significados de tudo o que está sendo colocado ali e a ligação com seu Zé, mas o zelador não sabendo explicar, diz que tudo faz parte de um grande fundamento para agradar a entidade e que se sentia ofendido com essas perguntas.
"Você não acredita em mim ? Na minha capacidade, no meu poder? Já viu o tamanho da minha casa ? O carro lá na minha garagem ?"
O médium fica envergonhado por perguntar, se sente frustrado por não saber, mas fica sem graça com a reação do zelador.
Passam se os meses, o médium mantém a ajuda financeira, é bem tratado no terreiro, coloca roupa branca, auxilia no que pode, seu dinheiro é investido em obras. Mas também percebe que o zelador está viajando mais, trocou de carro e sempre usa roupas novas.
O médium não entende porque o espírito não aparece mais, Zé Pretinho não incorpora nele , nem em sonhos ele se mostra. O zelador diz que ele deve estar ocupado no outro plano.
O médium começa a ter problemas de saúde novamente, mas dessa vez é com seu filho que está muito adoecido, os negócios também não andam bem, seu dinheiro é todo para custeio de hospitais e para o terreiro, já que o zelador lhe promete "trabalhos de saúde ", mas com um valor para o material. Conforme o tempo passa, as coisas vão de mal a pior, o médium fecha sua empresa e só pede a Deus que seu filho não morra.
Enquanto está na sala de espera, vê uma moça com uma guia vermelha e branca, meio sem jeito se aproxima e começa a conversar. Você é da macumba também?
Ela diz : sou umbandista, acabo de perder minha avó.
Ele responde: nossa mas você está tranquila assim ?
Ninguém no seu terreiro fez nada ?
E ela responde : o que eles poderiam fazer por uma senhora de 90 anos?
Eu vou lá pra cuidar do meu espiritual, quando podem ajudar, eles ajudam, mas não é sempre, nem em tudo. Eu estou calma porque sei que ela cumpriu a missão, e também estudamos muito lá.
O médium então pergunta, estudo? Vocês estudam o que ?
E a moça diz : Umbanda, minha zeladora dá aulas sobre umbanda, ela nos ensina muito, também fala um pouco de espiritismo.
O médium diz, que legal, quanto custa, deve ser uma fortuna. Rs.
Não é não, ela da aulas gratuitas para nós, os cursos pagos são só para pessoas de fora, para os filhos da casa é tudo gratuito, ela é muito generosa e recomenda muitos livros.
O médium logo se interessa, quer ir visitar essa casa. Pergunta endereço, dias de gira, ele chega no dia da corrente de pai Obaluaiê, vai de coração limpo, pede a cura do filho e paz para seu coração.
Obaluaie para em frente à ele, abraça forte, o médium chora bastante, sem vergonha nenhuma.
O filho do médium continua internado, ele está cada vez mais afastado da sua "antiga" casa, frequenta as giras da casa de Obaluaiê sempre que pode, mas nem sempre tem o dinheiro da passagem. O zelador liga sempre, pedindo dinheiro e fazendo ameaças. Fala sobre castigos do malandro Zé Pretinho e como ele é "ruim" e castiga mesmo.
Finalmente é dia de gira de malandragem, o médium ansioso chega na casa, conseguiu passagem com um "bico" naquela semana, o filho já está em casa, mas os remédios são caros, mesmo assim quer agradecer aquela casa que abriu as portas sem pensar no "bolso" dele.
O médium começa a ouvir uma voz, acha que está ficando louco, um malandro incorporado percebe, vem até o médium. Então lhe diz:
"Moço o senhor não tá ficando doido não, teu malandro está aí do teu lado. O meu nome é Zé Pretinho, ele está furioso moço, o nome dele não é esse não, ele ficou preso porque os quiumba que trabalha pro outro moço lá que se acha zelador eram bem pagos. Ele disse que o moço era pra ter saído de lá quando se sentiu mal, mas o moço nem escutou intuição e deixou tudo ocorrer."
O médium fica espantado, não só com o recado certeiro, mas com a necessidade de escutar sua própria intuição.
Conversa com a zeladora para entrar para a casa e tentar cuidar corretamente do malandro.
Ela diz que o estudo é gratuito, porém é obrigatório e muito importante.
Ele começa seu desenvolvimento, mesmo com os bicos, consegue ajudar no que pode, mensalidade, pacote de vela. As coisas vão melhorando, recebe muitos ataques do antigo "zelador", mas firma o anjo da guarda sempre que possível e toma banho de ervas que colhe nos caminhos, chega até a pedir as vizinhas.
Após muito entregar currículo, é chamado para uma entrevista, tem que passar por etapas, firma o Malandro no terreiro antes de ir para o local. Na hora de acender vela, diz:
"Para o senhor meu malandro guardião, não sei seu nome, mas confio de coração."
Consegue finalmente o emprego, o filho já está bem de saúde, não se contém de felicidade. Vai ao terreiro com empolgação, no primeiro salário faz uma oferenda simples, mas com amor, alguns petiscos.
Na hora de oferendar, seu malandro vem mais forte do que nunca.
Olha para a esquerda e diz a zeladora :
"Quiseram armar uma cilada pra mim, para o meu médium e destruir a família.
Mas não existe ninguém no mundo que possa impedir um filho de fé a ter esperança de novo.
O recomeço existe minha senhora, por lá já passei, ele também passou.
Dizem que ninguém prende o vento, não prendem mesmo. Mas fui escravizado por um descuido do destino, me vi preso numa situação que eu não merecia.
Ainda bem que encontrei a liberdade, na hora que meu médium aceitou a caridade e viu que dinheiro não compra fé. Não gosto de quem fala muito, e não sabe o que diz, só eu podia dar meu nome, e quando Obaluaiê deixasse.
Eu sou a luz do fim do mundo, minha senhora.
Meu nome é Camisa Preta e já me vou nesse mundo à fora."
Espero que vocês tenham gostado !
Salve a Malandragem!
Salve Seu Camisa Preta !
Axé!
Autoria: Priscila de Iemanjá, com algumas intuições.
Imagem meramente simbólica.
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